Uma das razões por que gosto tanto do meu trabalho está ligada ao facto de poder testemunhar a evolução da saúde ao longo do tempo… saber que antigamente nada era assim e que estamos num ótimo caminho!
Também sou um curioso por natureza, é um facto, daí tentar sempre atualizar os meus conhecimentos, as últimas técnicas e melhores práticas que existem, assim como, quebrar alguns mitos!
Por isso, achei interessante partilhar alguns dados históricos relacionados com a Evolução da saúde materna e obstetrícia em Portugal, ora vejam…
Anos 60
Nos anos 60 poucas eram as mulheres que pariam nos hospitais. Em 1961 menos de 20 % dos partos eram feitos em ambiente hospitalar; 80% nasciam em casa, com a ajuda das vizinhas ou curiosas e muitas vezes a própria família.
Morriam muitas crianças…era muito raro uma família que não tivesse uma história de perda de uma ou mais crianças. Em 1961 o país era muito diferente daquilo que é hoje, muito pobre e com a maioria das vivências em ambiente rural.
É verdade que nasciam muitos bebés, mas também é verdade que morriam em grande número (como referi acima), além das muitas mães que faleciam durante o trabalho de parto, parto ou no pós-parto com hemorragias graves.
Além da população ser maioritariamente rural, vivia-se sob o regime da ditadura, com uma guerra com vários anos…a pobreza prevalecia e as casas não reuniam as condições de higiene para um vida sem problemas de saúde, muito menos para um parto. (as diarreias predominavam o que conduzia a uma elevada mortalidade infantil). Além disso:
- Famílias muito numerosas;
- Mães de 1ª viagem com 14 anos;
- Mulheres entre os 40 e 45 anos a engravidar (maior probabilidade de riscos como hoje, mas com menos acesso à saúde e menos soluções);
- Cuidados de saúde escassos não só pelos custos, mas pelo isolamento e distanciamento em que se vivia;
Só a partir de 1965 começaram a surgir diferenças nestas taxas de mortalidade, com a criação do Plano Nacional de Vacinação em 1967, assim como com a criação da Associação para o Planeamento da Família, em que médicos e enfermeiros se dedicaram e trabalharam, mesmo contra a vontade da igreja e do próprio Estado.
Os médicos começaram a fazer consultas de planeamento e os enfermeiros iniciaram a sua intervenção junto das mulheres e dos homens, no sentido de educar e alertar para a importância do espaçamento entre as gravidezes; as condições de higiene; as doenças sexualmente transmissíveis – nomeadamente a sífilis e o alcoolismo nos homens -, mas apesar deste esforço os profissionais de saúde continuavam com muita dificuldade em chegar a todos.
Anos 70
Em 1971, durante o Governo de Marcelo Caetano, foi publicada a lei que deu origem à criação dos centros de saúde, o que veio melhorar o estado de saúde de um elevado número de portugueses, assim como os respetivos indicadores de saúde.
Muitas mulheres vão, nesta altura, pela primeira vez, a uma consulta médica, em que os enfermeiros desenvolvem, juntamente com os médicos, um excelente trabalho com as mesmas, ensinando-lhes cuidados básicos de higiene e formas de alimentação mais corretas e adaptadas à pobreza do país.
No entanto, mantém-se o velho problema: uma grande parte da população continua a viver demasiado isolada, mantendo-se a necessidade das equipas de saúde se deslocarem até junto dessas pessoas.
Na altura, a avaliação das grávidas era toda feita de forma manual. A experiência e a prática eram muito importantes para se conseguir identificar alterações e encaminhar para os hospitais com cuidados diferenciados. Não existiam ecógrafos, nem qualquer outro aparelho eletrónico que permitisse ouvir os batimentos cardíacos do bebé, – este procedimento era realizado com o estetoscópio de Pinard- a avaliação do tamanho e a estimativa de peso era unicamente feita de forma manual.
Em 1974 dá-se o fim da ditadura. Nesta altura mais de metade das casas não possuía água canalizada. Cerca de 40% não tinham esgotos nem casa de banho; 36% não tinham eletricidade, viviam-se tempos muito difíceis, sobretudo na periferia das grandes cidades, em que as condições eram, por vezes, quase desumanas.
Em 1975, alarga-se o serviço médico à periferia, dadas as condições em que se vivia, era urgente atuar nestas zonas. Os médicos recém-formados passam então a ir durante cerca de 1 ano para fora das grandes cidades, para assim poderem trabalhar junto da população que, até à data nunca tinha tido qualquer tipo de acesso a cuidados médicos.
Mesmo assim, mantinha-se uma grande assimetria nos cuidados de saúde entre a grande Lisboa e a periferia. Muitos centros de saúde estavam localizados em edifícios em andares com escadarias difíceis de subir, (como ainda hoje existem por aí alguns), e também não dispunham de rede de esgotos.
As grávidas, na altura, continuavam com pouca ou nenhuma vigilância e continuavam a ter os seus bebés em casa, com ajuda da família ou curiosos. (Sim, leram bem, curiosos)
Os enfermeiros começam, assim, a apostar na deslocação ao domicílio e o seu transporte era feito numa viatura da Direção Geral de Saúde.
Por incrível que pareça, em 1976, temos os primeiros homens assistir às consultas de planeamento familiar, mas poucos eram os que mostravam real interesse nestas sessões, uma vez que, por esta altura, a taxa de analfabetismo se mantinha muito elevada.
Continuava a viver-se muito mal, as casas continuavam a não ter condições, e as mulheres tinham muitos filhos, (havia famílias com 10 a 12 crianças). E foi, principalmente no que diz respeito ao número de filhos que o planeamento familiar veio ajudar, pois através do mesmo foi possível diminuir o número de nascimentos de crianças com problemas e a espaçarem-se as gravidezes. Os abortos clandestinos, que na altura eram em elevado número, também foram reduzidos, conseguindo-se, então, uma melhoria na organização das famílias.
Além de tudo isto, esta altura coincidiu também, com o fim da Guerra, o regresso dos soldados, os imigrantes que regressavam a Portugal para passarem férias. Fatores que contribuíram, claramente, para uma melhoria significativa da vida das famílias portuguesas.
Os Hospitais melhoraram em muito os seus cuidados, conseguiu-se a erradicação da diarreia aguda e de algumas doenças infecciosas, o que veio permitir uma maior disponibilidade ao estudo e abordagem a outras doenças.
As campanhas de vacinação chegam, nesta altura, à maioria das crianças, permitindo o aparecimento de bons resultados na saúde, como foi o caso da poliomielite, difteria e a tosse convulsa, que começaram a dar os sinais de estarem praticamente erradicadas.
Em 1979, foi criado o Sistema Nacional de Saúde (SNS), tendo um grande impacto na vida dos portugueses. Constroem-se mais hospitais e centros de saúde. Os cuidados, de forma geral, melhoram, mas é na saúde materna, obstétrica e cuidados aos recém-nascidos que os avanços foram muito notórios.
No entanto, e apesar da melhoria substancial, o Sistema Nacional de Saúde apresentava alguns problemas, sobretudo de articulação. Existiam duas direções: a direção geral dos hospitais e a direção geral dos cuidados de saúde primários e foi aqui que surgiram os problemas. A articulação entre os hospitais e os cuidados de saúde primários praticamente não funcionava, conduzindo a uma grande desorganização na vigilância das grávidas, pois recebiam indicações diferentes dos dois lados.
Anos 80
Elaborou-se um relatório sobre o estado das nossas grávidas e crianças, embora com muita dificuldade, pois na altura as formas de comunicação e obtenção de dados eram muito difíceis, (há que ter em conta que não existia internet nem telemóveis) o que não contribuiu para uma boa qualidade dos dados estatísticos. Mesmo assim, com essas condicionantes conseguiu perceber-se como se nascia em Portugal.
Um elevado número de recém-nascidos que chegavam nestas condições, vinham em hipotermia e com dificuldades respiratórias agravadas, o que ia complicar em muito a sua recuperação. Era urgente dar uma solução a esta problemática e uma das estratégias para o fazer foi a criação de uma ambulância tripulada por uma equipa especializada, com equipamento adequado à prestação de cuidados diferenciados. Uma equipa constituída por um médico neonatologista e um enfermeiro de neonatologia, ambos com experiência na área e um motorista de ambulância.
Este meio funcionava a partir do Hospital de Santa Maria e estava equipado com uma incubadora preparada para o transporte de recém-nascidos de risco, e que circulava entre as várias maternidades fazendo-se a comunicação via rádio.
Apesar destas medidas, os cuidados de saúde não evoluíram como era esperado, por esse motivo cria-se então uma comissão nacional que pega no relatório elaborado anteriormente e aprofunda a sua análise, surgindo o Primeiro Plano Nacional de Saúde Materno-Infantil. Este surge, essencialmente, por ter sido detetado que, praticamente em qualquer lugar, nascia uma criança.
Existiam muitos espaços de saúde que, por fora exibiam a indicação de ser um serviço de urgência, mas que não reuniam qualquer condição para fazer atendimentos, não dispunham de recursos humanos especializados para atender em segurança uma mulher em trabalho de parto e, mesmo os profissionais que lá trabalhavam não tinham experiência suficiente para fazer face a possíveis intercorrências que podiam acontecer durante um parto.
Tornava-se então urgente formar profissionais bem treinados na área da saúde materna, obstetrícia e pediatria e, como é óbvio, equipar devidamente os locais onde estes profissionais iriam prestar cuidados.
Encerram-se alguns serviços, e mesmo hospitais, onde se nascia em condições muito arriscadas, e onde não existiam sequer condições para o atendimento com o mínimo de segurança para a mulher e recém-nascido.
Há um grande investimento na aquisição de equipamento específico, assim como na formação de médicos e enfermeiros nestas duas áreas: a obstetrícia e a neonatologia. Para além disto, também ocorre uma grande melhoria na ligação entre os hospitais e os cuidados de saúde primários.
Com a execução deste plano de melhoria dos cuidados em Portugal conseguiu reduzir-se, em muito, a taxa de mortalidade materna e infantil, estando atualmente no grupo dos melhores países do mundo, no que respeita a este indicador de saúde.
Com todas estas medidas desenvolvidas e o avanço da tecnologia, a população interiorizou que o parto em meio hospitalar e num hospital devidamente credenciado, é um parto, sem dúvida, muito seguro e que fazer uma correta vigilância de gravidez é uma mais valia na prevenção de complicações graves, pois permite o acesso rápido a meios diferenciados.
Atualmente, mais de 98% dos partos em Portugal são realizados em ambiente hospitalar com elevado nível de diferenciação.
Parte importante do sucesso nos nascimentos ocorridos atualmente em Portugal, deve-se às condições de assistência de excelência em que nascem as crianças e ao sistema de saúde que permitiu que isto fosse possível.
Em resumo:
Por volta de 1960 morriam cerca de 77 crianças por cada 1000 que nasciam. Atualmente este elevado número passou para 2 a 3 mortes por cada 1000 nascimentos. Em cerca de 50 anos Portugal foi um dos países que melhor e mais rapidamente diminuiu a taxa de mortalidade infantil, sendo atualmente uma das melhores do mundo.
Perante tudo isto vale a pena nascer em Portugal!
(Para quem ainda não acredita – ahah – também criei uma página de Facebook)