A perda gestacional é um tema que provavelmente não me veem abordar recorrentemente. No entanto, na minha opinião, é um tema tão importante como a preparação para o parto, o parto ou a recuperação pós parto. Ainda é tabu, é certo, mas tem que deixar de ser! Para o bem de quem passou por uma situação destas, mas também para quem não passou.
Infelizmente nem sempre corre tudo bem na vida e, por vezes, encaramos olhos nos olhos as perdas gestacionais. Doloroso e angustiante para quem cuida, mas (obviamente) ainda pior para quem as vive na primeira pessoa.
Na maioria das vezes uma perda gestacional não tem o apoio psicológico que deveria ter. Em Portugal, especificamente, os primeiros socorros psicológicos são uma escassez tanto para pais e família assim como para os cuidadores envolvidos no processo. Sim, numa altura destas em que não se encontram os apoios necessários, são os profissionais que estão com o casal naquele momento, médicos, enfermeiros, auxiliares e administrativos os seus pilares de apoio. Profissionais estes que, na maioria das vezes, não têm qualquer tipo de formação em primeiros socorros psicológicos.
O apoio a estes pais deveria ser algo “obrigatório” e considerado “urgente”, que permitisse ter uma equipa, ou alguém especializado, na prestação de primeiros socorros psicológicos, pois quanto mais precoce for a intervenção melhor serão os resultados na recuperação destas vítimas.
A verdade é que estes primeiros socorros simplesmente não existem, ou talvez exista uma espécie de imitação realizada por nós, profissionais de saúde ou ligados à saúde de alguma forma, que estamos na frente de batalha e que, mas será que prestamos estes cuidados da melhor forma? Também somos humanos, temos família, filhos, ou planeamos ter, assim como temos outras grávidas para auxiliar…E estes momentos também têm impacto em nós. Tudo o que diz respeito à perda gestacional está envolvido numa grande violência psicológica, disso não tenham dúvidas.
Posto isto, será que conseguimos dar resposta com qualidade de excelência? A nível técnico sim, de certeza. Pois o treino, na nossa formação, incide maioritariamente nesta vertente, a técnica, mas será que:
- Temos competências suficientes para prestar cuidados técnicos em simultâneo com os primeiros socorros psicológicos?
- Sabemos aplicar e o que são os Primeiros Socorros Psicológicos?
- Compreendemos o conceito de Resiliência em toda a sua plenitude?
- Sabemos fazer triagem e estabilização emocional básica de uma pessoa após um Evento Traumático como este?
- Conhecemos todas as fases do processo de luto?
- Sabemos como agir na comunicação de más noticias?
- Sabemos aplicar cuidados de autoajuda que poderão reduzir o risco de reações extremas de stress?
Infelizmente estas perdas acontecem e não escolhem hora, acontecem a meio da noite, ao fim de semana, ao domingo de manhã, mas normalmente quem reúne condições especializadas para ajudar estas emergências psicológicas não se encontra neste horário nem de chamada. Não é uma crítica aos poucos e quase escassos profissionais que o fazem, é apenas um facto, simplesmente não há.
Torna-se importante que nós, que estamos lá, possamos desenvolver competências nesta área de maneira a que, nas horas em que alguns quase dormem, nas horas em que alguns se divertem, os casais que recebem a notícia da perda gestacional a recebam com a garantia que terão o adequado apoio emocional, e que sejamos capazes de prestar os primeiros socorros psicológicos, sem receio de recorrer a algumas palavras menos adequadas para esta altura, fornecendo condições certas para que os pais possam gerir a sua perda da melhor forma.
São muito poucos os apoios que estas pessoas podem encontrar, que garantam a continuidade do processo de recuperação, pois não existe nenhum comprimido que se possa tomar e apague o vazio que ficou, será sempre um processo que demora o seu tempo, mas é importante que o façam sempre com acompanhamento. Por esse motivo deixo aqui dois sítios onde se pode obter algum acompanhamento:
· Associação Projeto Artémis
· Colos Vazios
Vamos fazer para que corra tudo bem!